O OFÍCIO DO(A) ECONOMO(A)
NA ESTRUTURA DE GOVERNO
DE UM INSTITUTO DE VIDA CONSAGRADA
OU SOCIEDADE DE VIDA APOSTÓLICA
Prof. Dr. D. Hugo Cavalcante, OSB
INTRODUÇÃO
No Livro II do Codex Iuris Canonici que está sob o título: Do Povo de Deus (cânn. 204-746) , encontramos, na III Parte, sob o nome: Dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica (cânn. 573-746), na Seção I: Dos Institutos de Vida Consagrada (cânn. 576-730), no Título II: Dos Institutos Religiosos (cânn. 607-709); no Capítulo II: Do Governo dos Institutos (cânn. 617-640); a tratativa contida no Art. 3: Dos bens temporais e sua administração (cann. 634-640).
O CIC-1983 dedica poucos cânones para tratar dos bens temporais dos Institutos de vida consagrada: cânn. 634-640, são apenas sete cânones. Durante os trabalhos de revisão do Código, pensou-se na oportunidade de inserir tal matéria somente no Livro V, Dos bens temporais da Igreja, mas no fim se decidiu tratar também nessa parte sobre o governo dos Institutos essa questão, com normas específicas para os IVC e as SVA e determinando a sua aplicação com as determinações contidas no direito próprio para se ter um quadro normativo mais completo e específico.
- Cân. 634, § 1. Os Institutos, as províncias e as casas, como pessoas jurídicas que são pelo próprio direito, têm capacidade para adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais, a não ser que nas Constituições essa capacidade seja excluída ou limitada.
- 2. Evite-se, todavia, toda a espécie de luxo, de lucro imoderado e acumulação de bens.
Os IVC e as SVA, assim como suas partes, isto é, províncias (cf. cân. 621: “a união de várias casas que, sob o mesmo Superior, constitui uma parte imediata do mesmo instituto, erigida canonicamente pela autoridade legítima”, e as casas religiosas erigidas, por força do direito, são pessoas jurídicas públicas; portanto:
O § 1 do cân. 634 simplesmente aplica os cânn. 1255 e 1256 que prescrevem a capacidade de adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais às pessoas jurídicas públicas. O final do § 1 diz que tal capacidade pode ser excluída ou limitada pelas Constituições; isso ocorre, normalmente, para as casas religiosas. A limitação pode se referir ao direito de adquirir ou de possuir (cânn. 1259-1272), ou de administrar, ou de alienar. Às vezes, tais limitações são subordinadas à autoridade Superior e tais especificações devem constar nas Constituições ou Diretórios sobre a matéria.
O § 2 dirige a todos os Institutos o forte apelo a viver e testemunhar a pobreza, princípio muito importante para a administração dos bens eclesiásticos, a qual deve ser também realizada com o princípio da caridade, por isso, os excedentes, se existem, serão utilizados para as obras de caridade e apostolado.
Com o Acordo Brasil-Santa Sé, em seu Art. 3º temos a maior clareza para o registro das pessoas jurídicas reconhecidas como tais pela Igreja:
A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
- 1º A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.
- 2º A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao Poder Público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato.
- Cân. 635, § 1. Os bens temporais dos Institutos religiosos, enquanto bens eclesiásticos que são, regem-se pelas prescrições do “Livro V, Dos bens temporais da Igreja”, a não ser que se determine expressamente outra coisa.
- 2. Os institutos estabeleçam normas adequadas sobre o uso e sobre a administração dos bens, pelas quais se fomente, defenda e manifeste a pobreza que lhes é própria.
O § 1 do cân. 635 adverte que os bens temporais dos Institutos religiosos são bens eclesiásticos e devem ser regidos pelas disposições do Livro V (cânn. 1254-1310), a menos que seja determinado outro critério pelo direito próprio, especificando aqui, então quais são as normas aplicáveis à administração dos bens nos IVC, pondo em evidência, em primeiro lugar, o princípio do cân. 1257: “todos os bens temporais que pertencem à Igreja universal, à Sé Apostólica ou a outras pessoas jurídicas públicas na Igreja são bens eclesiásticos”.
Os bens serão considerados eclesiásticos pela relação a seus titulares: a Igreja universal, a Sé Apostólica e todas as outras pessoas jurídicas públicas na Igreja, pois foram constituídas pela autoridade competente para, dentro dos fins que a si mesmas se propuseram, atuarem em nome da Igreja em ordem ao bem público.
O direito próprio de cada Instituto poderia determinar algumas normas particulares a propósito da aquisição e da administração dos bens; se essas normas estão incorporadas nas Constituições ou Diretórios aprovados, prevalecem sobre as normas gerais, já que o cânon indica claramente: “a não ser que se determine outra coisa…”.
O § 2 do mesmo cânon impõe aos Institutos que tenham um direito próprio que regulamente também a respeito dessa matéria, mas não que essa deva constar, de fato, nas Constituições. Normalmente, os Institutos elaboram um regulamento administrativo, um diretório, a fim de atender a essa determinação, já que as normas de administração podem variar de uma província a outra do mesmo Instituto, segundo as circunstâncias geográficas, econômicas, políticas e religiosas. Nessa perspectiva vem bem a calhar uma frase pronunciada pelo Cardeal Tolentino, Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação: “quanta ousadia é necessária para evitar a armadilha que representa a segurança nos bens que se acumulam, em vez de na sabedoria das coisas essenciais”.
O Diretório pode especificar a capacidade de cada nível de governo para adquirir, possuir, administrar e alienar seus próprios bens. Pode estabelecer também normas para a contabilidade e determinar a maneira de apresentar o balanço anual etc. Também nesse documento, de livre denominação, podem conter normas sobre o inventário de bens, sua classificação em bens imóveis, preciosos (históricos, culturais); diretrizes sobre as doação (cf. cân. 640), sobre a contratação de colaboradores etc.
- O ECÔNOMO DE UM IVC E DE UMA SVA NA ESTRUTURA DE GOVERNO
É fundamental a premissa da contextualização do cânon, sendo evidenciado no contexto da sua própria posição, dentro da normativa, estando o referido cânon presente no Capítulo II: Do Governo dos Institutos (cânn. 617-640); no Art. 3: Dos bens temporais e sua administração (cann. 634-640). A serviço do Instituto, do Governo, pode ser membro do Governo se estiver o ecônomo, entre os membros do Conselho.
O Cân. 636 § 1, indica “Em cada Instituto e, de modo semelhante, em cada província governada por um Superior Maior, haja um ecônomo, distinto do Superior e constituído segundo as normas do direito próprio, que administre os bens sob a direção do respectivo Superior. Nas comunidades locais, constitua-se igualmente, quanto possível, um ecônomo distinto do Superior local”.
E no § 2. “No tempo e pelo modo estabelecidos pelo direito próprio, os ecônomos e os demais administradores prestem contas à autoridade competente da administração efetuada”.
O cânon afirma a obrigatoriedade para os Institutos religiosos em todos os âmbitos de terem um “ecônomo” (tesoureiro, administrador financeiro) membro do instituto, embora isso não venha indicado pelo cânon, faz parte da tradição canônica, e parece preferível que seja um membro do Instituto a possuir a responsabilidade dos bens temporais da pessoa jurídica; ele deve ser dotado de qualidades e espírito religioso para administrar; essas qualidades podem estar elencadas nas Constituições. A sua designação deve ser definida pelo direito próprio (constituições, que indicarão se deve ser eleito ou nomeado, e por quem).
O CIC-1983 exige que seja distinto do Superior Maior e, por quanto possível, também do Superior local. Existe, portanto, nesse caso, explicitamente, a incompatibilidade de ofícios (cf. cân. 152). A razão de tal distinção é de fácil compreensão, pois se deve à conveniência de controles objetivos no setor econômico e à importância de tutelar a liberdade das relações entre os membros e o próprio Superior. Sem dúvida, as pequenas comunidades têm atualmente muitas dificuldades para encontrar um ecônomo e, certamente por isso, foi modificada a formulação deste cânon em relação ao CIC 17, cân. 516, § 3, dando uma margem mais ampla ao âmbito local, com duas possíveis interpretações: a) onde isso seja possível, haverá um ecônomo, que seja distinto do Superior, ou seja, b) haverá um ecônomo e, na medida do possível, não será o Superior local.
O ecônomo depende do Superior ao qual deverá prestar contas de sua administração, porque não é um simples contador, pois tem a função de garantir a gestão dos bens em todos os aspectos: conservação, utilização, investimento, o Superior é quem determina as diretrizes e não o ecônomo. É importante que nos diretórios se acrescente sempre à menção do termo “Superior”, as palavras: “e seu Conselho”.
No § 1 desse cânon, está implícito o conceito da subsidiariedade, no qual, apresentando o papel do ecônomo, mostra ainda a necessidade da dependência muito estreita na relação administrativa com o respectivo Superior. Peculiar é o papel de Superiores e ecônomos. Os superiores governam particularmente as pessoas, os ecônomos governam os bens. No entanto, os Superiores têm responsabilidade pela economia, e os ecônomos atuam sob sua direção. A administração de bens não é simplesmente uma questão com a qual somente pessoas com habilidades técnicas específicas devem lidar, porque diz respeito à vida do Instituto em todos os seus setores (apostolado, espiritualidade, formação etc.) e em todos seus componentes.
No § 2 encontramos um princípio geral a propósito da obrigação de prestar contas da administração. Não se determina o momento preciso para que essa seja efetuada, deixa-se a cada Instituto, entretanto, a sua determinação. Tudo dependerá do nível de governo (local, provincial, regional etc). Com bastante frequência acontece que os ecônomos locais, devem prestar contas mensal ou trimestralmente; os ecônomos provinciais, uma prestação de contas semestral ou anual, e o ecônomo geral, uma prestação de contas regular ao Superior Geral e seu Conselho, assim como no Capítulo Geral.
- NORMAS PRÓPRIAS RELATIVAS AOS MOSTEIROS SUI IURIS E A CASA RELIGIOSA DE DIREITO DIOCESANO; AOS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA SECULARES E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA
- a) Com referência aos Mosteiros sui iuris e a casa religiosa de direito diocesano, cf. cân. 637:
Os mosteiros sui iuris, referidos no cân. 615, devem apresentar contas da sua administração ao Ordinário do lugar, uma vez por ano; além disso, o Ordinário do lugar tem o direito de tomar conhecimento da administração econômica da casa religiosa de direito diocesano.
Regulam-se aqui as relações dessas Comunidades com o Ordinário do lugar em matéria econômica. O cânon prescreve aos mosteiros autônomos (cf. cân. 615) a obrigatoriedade da prestação de contas anual ao Ordinário local (cf. cânn. 134, § 2, 1287). O mesmo Ordinário tem direito também de controlar a administração dos bens dos Institutos de direito diocesano, os quais devem disponibilizar a prestação de contas, quando solicitado.
Os mosteiros sui iuris indicados no cân. 615 gozam de plena independência, isto é, embora espiritualmente façam parte de alguma família monástica; não dependem de qualquer Instituto religioso; não são federados e não têm qualquer outro Superior, além do próprio Moderador; portanto, mesmo que sejam de direito pontifício, são confiados à particular vigilância do Bispo diocesano. Nesses mosteiros não se pode confundir jamais a autonomia, a independência, com o isolamento da estrutura eclesiástica, pois se isolados estão fadados a desaparecer.
Essa vigilância deverá ser entendida como uma forma de suplência de instâncias superiores ausentes e que deve ser exercida conforme o direito. O direito próprio deve prever os modos de exercitar tal vigilância e quais intervenções poderão ser feitas na vida do instituto.
Embora o Código determine essa vigilância, as competências da Santa Sé, em relação aos mosteiros, permanecem intactas, e estão bem determinadas em seu conjunto pela Cor Orans, que é a Instrução Aplicativa da Constituição Apostólica Vultum Dei Quaerere sobre a vida contemplativa feminina de 1º de abril de 2018.
- b) Em relação aos Institutos seculares, é preciso atentar para a determinação do cân. 718:
A administração dos bens do Instituto, que deve expressar e fomentar a pobreza evangélica, rege-se pelas normas do Livro V, Dos bens temporais de Igreja, como também pelo direito próprio do Instituto. Do mesmo modo, o direito próprio determine as obrigações, especialmente econômicas, do Instituto para com os membros que a ele consagram o seu trabalho.
A legislação canônica, ao frisar que a administração dos bens do Instituto secular deve manifestar e proteger a pobreza evangélica, quer ressaltar que as normas administrativas dos bens temporais devem concretizar as exigências dessa pobreza (cf. Vita Consecrata, n. 21), pois, por ela, cada consagrado confessa que Deus é a única verdadeira riqueza da humanidade, e necessita ser vivida segundo o exemplo de Cristo que, “sendo rico, se fez pobre” (2Cor 8,9). Os Institutos seculares são pessoas jurídicas públicas na Igreja (cf. cânn. 113-123) e, enquanto tal, têm o direito de possuir e administrar bens temporais. Os bens desses institutos são eclesiásticos; por isso, são regulados pelo livro V do Código e pelo direito próprio que, por sua vez, deve definir principalmente as obrigações econômicas do Instituto para com os membros que a ele prestam serviços.
- c) Para as Sociedades de vida apostólica o que indica o cân. 741, §§ 1 e 2:
As Sociedades e, a não ser que as Constituições outra coisa estipulem, as suas partes e casas, são pessoas jurídicas e, enquanto tais, capazes de adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais, nos termos das prescrições do Livro V, Dos bens temporais da Igreja, dos cânn. 636, 638 e 639 e do direito próprio.
Nos termos do direito próprio, são também os seus membros capazes de adquirir, possuir, administrar bens temporais e deles dispor, mas tudo o que aos próprios advier em atenção à sociedade, é adquirido para a sociedade.
A Sociedade de vida apostólica é também uma pessoa jurídica, conforme as Constituições, bem como suas circunscrições, comunidades locais e casas. Cada pessoa jurídica necessita da capacidade econômica para operar a aquisição, a posse, a administração e a alienação dos bens. Tal capacidade rege-se pelo Livro V do CIC-1983, pelos cânones dos Institutos religiosos no que diz respeito ao ecônomo (cf. cân. 636), à administração ordinária e extraordinária (cf. cân. 638) e à responsabilidade institucional e pessoal dos débitos (cf. cân. 639). Os membros têm a faculdade de integrar outros bens ao próprio patrimônio, conforme o direito próprio. Os bens temporais oriundos do trabalho apostólico pertencem à Sociedade. Essa comunhão de bens é a consequência jurídica da promessa de pobreza e obediência às Constituições. A vida comum fraterna é mais que um agrupamento de pessoas para a realização de obras apostólicas; é uma pertença a uma determinada família de consagrados que colocam em comum os bens materiais e espirituais.
III. O OFÍCIO DO ECÔNOMO EM UM IVC E EM UMA SVA, NORMATIVAS CODICIAIS SOBRE O SEU EXERCÍCIO
Cân. 638, § 1. Pertence ao direito próprio determinar, dentro do âmbito do direito universal, os atos que excedam o fim e o modo da administração ordinária, assim como estabelecer as condições necessárias para se realizarem validamente os atos de administração extraordinária.
- 2. Além dos Superiores, realizam ainda validamente despesas e atos jurídicos de administração ordinária, dentro dos limites do seu ofício, os oficiais que no direito próprio são designados para tal.
- 3. Para a validade de uma alienação e de qualquer negócio em que a condição patrimonial da pessoa jurídica se possa tornar pior, requer-se licença dada por escrito pelo Superior competente com o consentimento do seu conselho. Se, contudo, se tratar de um negócio que exceda a soma determinada pela Santa Sé para cada região, ou de ex-votos oferecidos à Igreja, ou de coisas preciosas pela sua arte ou pela sua história, requer-se também licença da mesma Santa Sé.
- 4. No caso de mosteiros sui iuris, referidos no cân. 615, e de Institutos de direito diocesano, é ainda necessário o consentimento do Ordinário do lugar, prestado por escrito.
Ao utilizar os termos “atos que excedam” e o “modo”, o Código nesse § 1 apresenta o modo para distinguir dois conceitos: a) o de administração ordinária, que compreende os atos necessários ou convenientes para conservar, usar e fazer frutificar os bens no cotidiano, dentro de uma determinada soma, e b) o de administração extraordinária, que compreende todos os atos que excedem àquela ordinária.
Cabe ao direito próprio determinar os atos que pertencem à administração ordinária e os atos da extraordinária, definindo ainda para essa última os procedimentos necessários, para que seja posto validamente um ato administrativo.
A título de exemplo, podem caracterizar atos de administração extraordinária o valor de uma operação financeira, os riscos de perda, o impacto negativo que o ato pode causar no patrimônio, a complexidade de uma negociação, o valor do bem etc. Além disso, costuma-se qualificar como administração extraordinária os seguintes atos: aceitar ou reconhecer uma herança, doação etc, que anexe condições; comprar bens imóveis; vender, permutar, hipotecar ou retirar do lugar para o que estavam destinados, objetos de arte, documentos históricos e outros bens móveis de valor precioso; vender, permutar, hipotecar bens móveis, aceitar uma servidão sobre uma propriedade; tomar emprestado somas importantes de dinheiro; edificar, demolir ou reconstruir uma igreja, o nela realizar reformas extraordinárias…
Quem deve determinar os atos de administração extraordinária deve ter presentes os critérios enunciados no direito próprio. Do elenco desses critérios compreender-se-á o que pertence a atos ordinários e a atos extraordinários. O Código oferece uma norma geral (cf. cân. 1281) para os atos de administração extraordinária, ou seja, deve ter a licença da autoridade competente; caso contrário, o ato é inválido.
Pode-se utilizar também das indicações contidas na legislação complementar da CNBB ao cân. 1277: Consideram-se como de administração extraordinária, no sentido do cân. 1277, os seguintes atos: 1. A alienação de bens que, por legítima destinação, constituem o patrimônio estável da pessoa jurídica em questão; 2. Outras alienações de bens móveis ou imóveis e quaisquer outros negócios em que a situação patrimonial ficar pior e cujo valor econômico exceder à quantia mínima fixada de acordo com o cân. 1292, § 1; 3. Reformas que superam a quantia mínima fixada de acordo com o mesmo cânon; 4. O arrendamento de bens por prazo superior a um ano, ou com a cláusula de renovação automática, sempre que a renda anual exceder à quantia mínima fixada de acordo com o mesmo cânon. (CNBB. Decreto. Promulgação da legislação complementar ao Código de Direito Canônico, 27 de fev. 1986 (Comunicado Mensal 397 [1986] 55).
O § 2 afirma que, além do Superior, colocam validamente atos de administração ordinária os ecônomos e os administradores, que não são simples delegados dos Superiores, pois, no limite do próprio ofício, gozam de autoridade, mesmo sendo subordinados aos Superiores. Ao falar de oficiais, o cânon utiliza a palavra “designados” para deixar a máxima amplitude possível, por exemplo, ao responsável por algumas obras. O único que se requer é que tenha uma ou mais pessoas nomeadas (eleitas) para administrar.
O § 3 trata da alienação, de acordo com os cânn. 1291-1295, que é um ato diverso de administração extraordinária e, por isso, o cânon estabelece dois critérios: a) quando o valor da alienação não supera àquele estabelecido pela Santa Sé. Essa, para ser válida, basta ter a licença escrita do Superior competente com o consenso de seu conselho. Se, todavia, b) o valor supera a soma fixada pela Santa Sé, para ser válida, a alienação precisa da sua licença. A soma da Santa Sé é fixada por intermédio do Dicastério para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, sendo o valor diferente para cada país.
Note-se que o cânon não faz referência alguma a Conferência Episcopal, contudo a Santa Sé pode aplicar a quantidade fixada pelos Bispos, é o que ordinariamente acontece. No Brasil, a legislação complementar da CNBB ao Cân. 1292 § 1, determina: “a quantia máxima referida no cânon 1292 é a de três mil vezes o salário-mínimo vigente em Brasília-DF e a quantia mínima é a de cem vezes o mesmo salário”. CNBB. Decreto. Promulgação da legislação complementar ao Código de Direito Canônico, 27 de fev. 1986 (Comunicado Mensal 397 [1986] 55).
O § 4 indica que nos Mosteiros sui iuris e nos Institutos religiosos diocesanos, além da Santa Sé, necessitam da autorização, por escrito, dos Bispos competentes para as alienações extraordinárias.
Cân. 639, § 1. Se a pessoa jurídica tiver contraído dívidas e obrigações, mesmo com licença dos Superiores, ela própria está obrigada a responder por elas.
- 2. Se um religioso com licença do Superior as tiver contraído sobre os seus bens, ele próprio deve responder por elas; se, porém, tiver realizado o negócio do instituto por ordem do Superior, é o instituto que deve responder.
- 3. Se um religioso as tiver contraído sem licença dos Superiores, ele próprio deve responder, e não a pessoa jurídica.
- 4. Mantenha-se, todavia, que em todo o tempo pode ser movida uma ação contra aquele que aumentou o seu patrimônio em consequência de um contrato celebrado.
- 5. Não permitam os Superiores religiosos que se contraiam dívidas, a não ser que haja a certeza de que, com as receitas habituais, se possa pagar os juros e, dentro de um tempo não muito longo, mediante uma legítima amortização, restituir-se o capital.
O cân. 639 especifica as responsabilidades sobre o patrimônio dos Institutos e sobre seus membros em algumas circunstâncias.
O § 1 considera a responsabilidade de uma pessoa jurídica ao contrair dívidas ou obrigações. Essa pessoa pode ser o IVC ou a SVA, ou uma sua província, ou uma casa erigida canonicamente. Cada uma dessas pessoas jurídicas deve responder por si mesmas pelas dívidas ou pelas obrigações, mesmo que tenha sido obtida a licença dos Superiores. Nenhuma pessoa jurídica ou física pode, nem é obrigada a responder. Portanto, nem o Instituto, nem as casas pagam as dívidas de uma província, nem essa as dívidas de uma casa ou do instituto. Responde judicial ou extrajudicialmente, penal ou administrativamente, canônica e civilmente em conformidade com o direito.
No § 2, considera-se a responsabilidade dos indivíduos, em relação às dívidas contraídas, distinguindo entre dois atos realizados por um religioso: a) “com os próprios bens”, entendem-se bens aos quais não se renunciou conforme cân. 668, § 4, e com os quais podem agir legitimamente; b) os realizados em nome do Instituto.
O § 3 determina que, independentemente de os bens serem próprios ou da pessoa jurídica, é a pessoa física que contraiu a dívida ou obrigação, sem licença, que deve responder.
No § 4, prescreve-se que, sempre por razões de justiça, é possível a qualquer parte prejudicada mover ação contra quem indevidamente obteve proveito da causa de quanto realizou.
E, enfim, o § 5 estabelece normas preventivas e restritivas para os Superiores em relação às dívidas, que são objetos dessa norma. A razão dessa medida preventiva está no fato de que as dívidas podem durar indefinitivamente e são perigosas; por isso, é necessário prudência e prevenção.
Cân. 640. Os institutos, tendo em consideração os distintos lugares, esforcem-se por dar testemunho, de algum modo coletivo, de caridade e pobreza e, na medida dos seus recursos, contribuam com os seus próprios bens para as necessidades da Igreja e para o sustento dos pobres.
O cânon conclui o que já tinha sido colocado pelo cân. 634, § 1, o qual prescreve às pessoas jurídicas o freio ao excessivo e abusivo desenvolvimento de suas capacidades econômicas e, quanto pede o cân. 635, § 2, sobre o uso e sobre a administração dos bens. Em particular, destaca importantes critérios: que o testemunho de caridade e de pobreza seja coletivo e não individual. A consideração das condições locais é importante, também, porque o testemunho exige gestos sociais e, para cumprir o dever de atender às necessidades, é imprescindível conhecer a realidade. E, por fim, a segunda norma desse cânon refere-se à contribuição para as necessidades da Igreja e dos pobres. As finalidades da Igreja estão estabelecidas no cân. 1254, § 2 (Os fins próprios são, principalmente, os seguintes: ordenar o culto divino, providenciar a honesta sustentação do clero e dos outros ministros, exercer obras do sagrado apostolado e de caridade, especialmente em favor dos necessitados.), mas deixa indeterminado o valor, provavelmente considerando as diferenças dos lugares e dos institutos de vida consagrada e religiosos. O importante é que, pouco ou muito, algo precisa ser dado dos seus próprios bens. Em 1987 a Santa Sé fez referência a esse cânon ao solicitar ajuda aos Institutos religiosos. Na prática, os Institutos e suas partes estabelecem um percentual destinado as obras de caridade. Os Superiores, contudo, não devem esquecer que sua primeira responsabilidade é a segurança de seus membros.
CONCLUSÃO´
O cân. 1284, § 1, afirma: “todos os administradores têm a obrigação de desempenhar as suas funções com a diligência de um bom pai de família”. A diligência de um bom pai de família, no exercício de sua função, indica a atenção, a prudência, a perícia, exigidas de que exerce a função de ecônomo. A serviço do Instituto, membro do governo ou não, buscará cumprir sua função para o bem de toda a família religiosa, ou parte dessa, que o acolheu e da qual se fez membro como resposta a um carisma específico.
Com o novo Livro VI, Das Sanções Penais na Igreja, promulgado pelo Papa Francisco na Solenidade de Pentecostes em 23 de maio de 2021, são previstos novos delitos em matéria econômico-financeira, a fim de que “a absoluta transparência das atividades institucionais da Igreja, especialmente nesse campo, seja sempre perseguida e respeitada e seja sempre exemplar a conduta de todos os titulares de encargos institucionais e de todos os agentes empenhados na administração dos bens” (Papa Francisco no Discurso ne Inauguração do Ano Judiciário do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano, 27 de março de 2021), determinou:
Cân. 1376, § 1. Seja punido com as penas mencionadas no cân. 1336, § 2-4, restando firme a obrigação de reparar o dano: 1º. quem subtrai bens eclesiásticos ou impede que seus frutos sejam percebidos; 2º. quem, sem a consulta prescrita, consenso ou licença, ou sem outro requisito imposto pelo direito para a validade ou a liceidade, aliena bens eclesiásticos ou executa sobre esses um ato de administração.
- 2. Seja punido com justa pena, não excluída a privação do ofício, restando firme a obrigação de reparar o dano: 1º. quem, por própria culpa grave, comete o delito referido no § 1, n. 2; 2º. quem, de outra forma, é reconhecido gravemente negligente na administração dos bens eclesiásticos.
A norma trata dos delitos de gestão ilícita dos bens eclesiásticos. Com exceção da alienação ilícita (§ 1, 2º), os demais capítulos penais desse cânon são novos. Para o conceito de bens eclesiásticos, cf. o cânon 1257 § 1. A subtração de bens eclesiásticos pode ser de fato (por exemplo: roubo ou furto) ou de direito (por exemplo: seguindo as formalidades da lei civil, a posse de um bem imóvel da Igreja é passada para o próprio administrador, para um amigo seu ou para alguém de sua família). Nesse segundo caso, que é similar à alienação, o cânon 1296 apresenta o itinerário legal para se reivindicar os direitos da Igreja. O impedimento da percepção dos frutos ocorre quando são violadas as disposições do cânon 1284 § 2, 4º, 5º e 6º. Alienar um bem, no sentido estrito, significa transferir o seu domínio de uma pessoa a outra. No sentido amplo, segundo o cânon 1295, é qualquer negócio no qual a situação patrimonial da pessoa jurídica fi ca em condição pior. As normas sobre a alienação válida e lícita dos bens eclesiásticos são os cânones 1290-1298; ademais, para a reta administração dos bens temporais dos IVC, cf. os cânn. 634-640
No Capítulo 31 da Regra Beneditina São Bento deixa-nos uma palavra que ressoa atual, em mais de 1500 anos, não perdendo a dimensão espiritual e eterna na administração dos bens temporais:
Seja escolhido para Celereiro do mosteiro, dentre os membros da comunidade, um irmão sábio, maduro de caráter, sóbrio, que não coma muito, não seja orgulhoso, nem turbulento, nem injuriador, nem tardo, nem pródigo, mas temente a Deus; que seja como um pai para toda a comunidade. Tome conta de tudo; nada faça sem ordem do Abade. Cumpra o que for ordenado. Não entristeça seus irmãos. Se algum irmão, por acaso, lhe pedir alguma coisa desarrazoadamente, não o entristeça desprezando-o, mas negue, razoavelmente, com humildade, ao que pede mal. Guarde a sua alma, lembrando-se sempre daquela palavra do Apóstolo: “Quem tiver administrado bem, terá adquirido para si um bom lugar”. Cuide com toda solicitude dos enfermos, das crianças, dos hóspedes e dos pobres, sabendo, sem dúvida alguma, que deverá prestar contas de todos esses, no dia do juízo. Veja todos os objetos do mosteiro e demais utensílios como vasos sagrados do altar. Nada negligencie. Não se entregue à avareza, nem seja pródigo e esbanjador dos bens do mosteiro; mas faça tudo com medida e conforme a ordem do Abade. Tenha antes de tudo humildade e não possuindo a coisa com que atender a alguém, entregue-lhe como resposta uma boa palavra, conforme o que está escrito: “A boa palavra está acima da melhor dádiva”. Mantenha sob seus cuidados tudo o que o Abade determinar, não presuma, porém, a respeito do que lhe tiver proibido. Ofereça aos irmãos a parte estabelecida para cada um, sem arrogância ou demora, a fim de que não se escandalizem, lembrado da palavra divina sobre o que deve merecer “quem escandalizar um destes pequeninos”. Se a comunidade for numerosa, seja-lhe dada auxiliares com a ajuda dos quais cumpra, com o espírito em paz, o ofício que lhe foi confiado. Às horas convenientes seja dado o que deve ser dado e pedido o que deve ser pedido, para que ninguém se perturbe nem se entristeça na casa de Deus.



